Glob Engenharia Ambiental - Sobre a circularidade de metais

Sobre a circularidade de metais

Postado 16/08/2022

Economia circular e circularidade são termos cada vez mais comuns nas empresas e no nosso cotidiano. Este é o tema desta matéria: a urgência de reciclar o metal contido em produtos de consumo após o seu uso.

Considerando as reservas confirmadas e o consumo mundial, o estoque de alguns metais em jazidas minerais dura apenas mais poucos anos. Por exemplo, as reservas de ouro e prata duram mais 20 anos; as de cobre, mais 30 anos.

Um dos meios mais efetivos de combate às mudanças climáticas é a eletrificação de processos industriais. Isso significa que o combate às mudanças climáticas implicará o aumento do consumo de um insumo cujas reservas confirmadas tem apenas mais 30 anos (!!). Mesmo casos menos críticos, como os do potássio e do fosfato (fertilizantes macronutrientes), implicam a exaustão em pouco mais de 100 anos.

Ou passamos a recuperar os metais consumidos, ou a exaustão dos recursos minerais será mais uma ameaça ao nosso modo de vida em muito pouco tempo. Há alguns casos em que a reciclagem já é significativa. O alumínio (bauxita) talvez seja o caso mais notório. A reciclagem do alumínio chega hoje a mais de 90%, o que resulta no fato de 75% de todo alumínio produzido até hoje ainda estar em uso.

No caso do cobre, a reciclagem de fim de linha (end-of-use recyling rate) foi de 40% em 2021. Em 2014, foi de apenas 29%.

Em, 2011, a Unep (Programa Ambiental das Nações Unidas) fez um levantamento sobre a reciclagem de 60 metais no mundo. Foram avaliados a proporção de reciclagem funcional e o conteúdo de metal reciclado na quantidade de metal total usado pela indústria.

Reciclagem funcional é aquela em que o metal após a reciclagem volta a ter o seu uso primário. Ela se opõe à reciclagem não-funcional, na qual o metal é reciclado, mas incorporado a outros metais como impureza. A reciclagem não-funcional permite que o metal não seja dissipado no meio-ambiente, mas representa uma perda de função daquele elemento. O resultado mostrou que mesmo para elementos com alta taxa de reciclagem como o alumínio, o conteúdo de metal reciclado no conteúdo total do metal usado é baixo. Isso é devido ao constante aumento do consumo. Ou seja, ainda que todo o metal fosse reciclado, a mineração ainda seria necessária para dar conta do aumento do consumo.

Contudo, frequentemente o aproveitamento do resíduo impõe uma mudança na rota de processamento primário e, nesse ponto, a boa vontade da indústria acaba por diminuir. Um exemplo é o aproveitamento da lama vermelha proveniente da mineração do alumínio.

A bauxita, minério do qual se extrai o alumínio, é submetida a uma lixiviação alcalina (processo Bayer), em que praticamente só o alumínio é solubilizado, o que certamente favorece a purificação a jusante.

Contudo, pouco mais da metade do alumínio contido na bauxita é extraído e vários outros elementos são deixado para trás – por exemplo, frequentemente a bauxita está associada a altos teores de titânio.

Esse resíduo, a lama vermelha, rica em ferro, sílica, titânio e sódio, é muito alcalino, o que implica a necessidade de ser contida, por seu altíssimo potencial de degradação ambiental.

O relatório da Unep (2013) menciona explicitamente o reaproveitamento da lama vermelha, listando os metais de alto valor nela contidos: “essa lama contém gálio com valor econômico considerável, além de até 10% em massa de titânio, cromo, vanádio e zircônio (e cerca de mil ppm de escândio e ítrio”.

Claro que para a indústria é mais fácil e barato continuar tratando a lama vermelha como resíduo.

Além do crescente risco de escassez de vários metais, os relatórios da Unep (2013) apontam também os riscos ambientais associados à mineração.

Cerca de 8% de toda energia do planeta era usada na mineração, muita água é consumida nos processos, diminuindo sua disponibilidade. A mineração também provoca o acúmulo de metais na superfície terrestre, o que em alguns casos tem comprovado efeito deletério na saúde humana. Por exemplo, em 2001 foram encontrados até 3050 g/L de arsênico em alguns corpos d’água no Vietnã, o que teria um potencial de causar câncer em milhões de pessoas (Unep, 2013).

De todas as possibilidades de recuperação de metais de produtos de consumo, a reciclagem de resíduos eletrônicos é certamente uma das que tem maior potencial de retorno. Levantamento de 2010 conclui que a “mineração urbana” de celulares, computadores e laptops teria o potencial de fornecer 3% do ouro, 5% da prata, 21% do paládio, 1% do cobre e 20% do cobalto demandados anualmente.

Simultaneamente, a demanda de equipamentos elétricos e eletrônicos por metais era, em 2011, equivalente a 34% do total minerado para a prata, 13% para o ouro, 44% para o cobre e 125% para o índio.

Watari(2020) apontam a necessidade de adoção de outras estratégias, como a extensão do tempo de vida de produtos, ou seja, diminuir a obsolescência programada. Isso afetaria muito a lucratividade ou mesmo a sobrevivência da indústria de produtos eletrônicos. Os autores também relatam o impacto no consumo de metais devido à transição para uma economia de baixo carbono. Tecnologias de baixo carbono tendem a consumir menos metais, mas quase sempre a previsão é de aumento do consumo nos próximos anos, considerando todos os usos.

Elshkaki (2018) geraram vários cenários de demanda potencial de sete metais principais – ferro, manganês, alumínio, cobre, níquel, zinco e chumbo – de 2010 a 2050 sob padrões alternativos de desenvolvimento global, e compararam essas demandas com várias avaliações da oferta potencial de meados do século.

Os autores concluíram que:

(1) A demanda calculada para cada um dos sete metais dobra ou triplica em relação aos níveis de 2010 em meados do século;

(2) Os maiores aumentos de demanda reportam-se a um cenário em que prevalecem valores e instituições cada vez mais equânimes em todo o mundo;

(3) Os fluxos de reciclagem de metais nos cenários atendem apenas a uma fração modesta da demanda futura de metais para as próximas décadas;

(4) No caso de cobre, zinco e talvez chumbo, é improvável que a oferta atenda à demanda por volta da metade do século sob os padrões atuais de uso dos respectivos metais;

(5) O aumento das taxas de demanda por metais implica um novo fornecimento substancial de energia, levando a aumentos na demanda global de energia em 21% a 37%.

Por fim, os autores concluem que, se suprimentos adequados desses metais não puderem ser disponibilizados ao longo do tempo e a preços acessíveis, pode ser muito difícil estender às economias emergentes as tecnologias centrais das quais o mundo mais desenvolvido dependeu para habitação, transporte, fornecimento de energia e outras necessidades modernas. O resultado pode ser uma restrição bastante significativa ao desenvolvimento global.

Por sua vez, West (2020) tem uma visão menos pessimista. Segundo o autor, as estimativas de reservas confirmadas de metais são tradicionalmente subestimadas, e ele usa a evolução dos dados de reservas de minério de ferro de 2002 a 2016 para corroborar este ponto.

Além disso, usando os dados do cobre, o autor conclui que ainda que as reservas conhecidas de cobre não aumentem, se a taxa de reciclagem passar dos atuais 50% para 95%, as reservas conhecidas levariam não 30, mas 628 anos para serem esgotadas. O autor conclui que é improvável que seja um investimento produtivo de esforço de pesquisa tentar desenhar políticas de governança internacional da extração de minérios metálicos, na premissa de estender sua disponibilidade para as gerações futuras.

Segundo ele, seria mais produtivo melhorar a compreensão dos impactos da atividade de mineração sobre sistemas naturais, e como práticas de mineração melhoradas podem reduzir esses impactos. Ainda, determinar o destino dos metais pós-mineração e as implicações desse destino para a capacidade de recuperação e reciclagem de metais.

Portanto, independentemente do grau de pessimismo dos pesquisadores, há um consenso sobre a necessidade de aumentar a taxa de reciclagem de metais, especialmente em resíduos eletroeletrônicos.

Ainda que a reciclagem em taxas maiores do que 90% resolva ou mitigue o problema da disponibilidade futura de metais e o impacto da sua extração do meio-ambiente, estamos longe desse ponto.

A ONU estima que, globalmente, apenas 20% dos resíduos eletrônicos sejam tratados adequadamente, enquanto no Brasil apenas 3% dos resíduos eletrônicos são reciclados (Tokarnia, 2021).

FONTE:  ABEQ, por Andre Bernardo

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