Seis perguntas sobre o mercado regulado de carbono
Postado 27/08/2024
Um pequeno guia para entender o que está em jogo com o sistema nacional de cap and trade; PL pode avançar no Congresso a qualquer momento
A euforia criada sobre a aprovação do mercado de carbono regulado brasileiro exige refletir qual deve ser o papel do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), nome oficial do mecanismo, para o futuro do país. Vale, de antemão, destacar que a lógica inerente a sistemas de comércio de emissões é incentivar reduções mais eficientes em termos de custo e promover projetos que gerem desenvolvimento e, também, créditos de carbono dentro do sistema nacional. Vale lembrar, naturalmente, que o mercado voluntário continuará em paralelo.
Para tanto, é válido considerar a experiência sobre o mercado de carbono no contexto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), do Protocolo de Kyoto e do mercado voluntário, bem como os novos rumos impulsionados pelas metas climáticas no Acordo de Paris e as chamadas metas voluntárias adotadas por diversas empresas.
Uma forma de explorar esse assunto é buscar responder uma série de questões, como proposto a seguir. É prudente ressaltar, naturalmente, que este artigo não tem intenção de se aprofundar sobre todos os aspectos que precisam ser amadurecidos diante do tema.
1. Qual deve ser o principal papel do mercado de carbono brasileiro?
A lógica da criação de um mercado de carbono nos moldes de um sistema de comércio de emissões (ETS em inglês), também chamado de cap and trade, é definir limites de emissões para determinados atores, visando reduções mais eficientes em custo e inovações baseadas em baixo carbono que promovam a transição desses setores.
O SBCE deve estabelecer metas de descarbonização para setores específicos, incentivar projetos que gerem créditos de alta qualidade e integridade ambiental e fomentar o crescimento da economia, tendo a precificação de carbono como um ativo.
2. É factível dimensionar o potencial tamanho (e a demanda) do mercado brasileiro?
O mercado brasileiro será muito peculiar quando comparado a maioria dos outros ETS, pelo fato de que a maior fonte de emissões no Brasil é o setor de uso da terra e não energia.
Na fase de regulamentação do SBCE, será preciso aprovar os planos setoriais de alocação para poder ter mais clareza sobre o tamanho potencial do mercado. Ou seja, quais serão os limites impostos à siderurgia ou à indústria química, por exemplo, e qual será o tamanho do mercado.
Partindo do princípio que os principais setores regulados serão do setor de processos industriais e subsetores de energia, parece válido pensar em um mercado que gire em torno de 50 milhões a 150 milhões de toneladas de CO2eq por ano. A título de comparação, o mercado do Reino Unido gira em torno de 100 milhões de toneladas de CO2eq.
Considerando hipoteticamente licenças de emissão – os direitos de emitir que podem ser usados para cumprir parte das metas de cada ente regulado – entre 20% e 40% desse total acima e os investimentos tecnológicos dos atores sujeitos à regulação imaginamos, nesse cenário, uma demanda por créditos de carbono de 10 milhões a 80 milhões de toneladas de CO2eq.
Por ora é impossível afirmar com maior precisão qual será o tamanho do mercado regulado brasileiro, mas é essencial considerar que os principais demandantes de crédito virão do setor de processos industriais e da queima de combustíveis fósseis e de emissões fugitivas – como o escape de metano de gasodutos.
3. A agropecuária primária não deve ter metas compulsórias de redução de emissões. O Brasil está indo na contramão dos principais mercados?
Não existe mercado cap and trade que determine metas compulsórias para o produtor dentro da porteira! Há diversas razões que ajudam a explicar a dificuldade de mensurar balanço de GEEs em sistemas agropecuários; além da possibilidade de monitorar informações a nível de fazenda.
A experiência dos principais ETS mostra que os sistemas tratam, geralmente, dos setores de indústria e energia.
Vale destacar que a Nova Zelândia pretendia integrar a agropecuária primária no seu sistema em 2025, mas preferiu, como faz o Brasil, incentivar tecnologias que permitam produzir mais, reduzir emissões e favorecer a adaptação dos sistemas produtivos.
A União Europeia estuda criar um sistema específico para a agropecuária. O produtor seria incentivado a produzir gerar reduções que lastreariam créditos de carbono, vendidos para atores da cadeia na agroindústria que, por sua vez, teriam metas compulsórias.
Mas é importante lembrar que atores na agroindústria poderão ter metas compulsórias no SBCE.
4. Qual poderá ser o papel de créditos de carbono baseados na conservação de florestas (REDD+)?
Há um caloroso interesse de que com o SBCE o Brasil poderá ser um enorme gerador de créditos de carbono florestais, principalmente os de desmatamento evitado, também chamados de REDD+. Estados, comunidades indígenas e quilombolas, produtores rurais, empresas com expertise em desenvolver projetos enxergam um enorme potencial nos offsets florestais.
É importante abrir espaço para que esses créditos florestais sejam admitidos no SBCE para as compensações das empresas reguladas, desde que sigam critérios rígidos de integridade ambiental.
Mas é crucial pontuar que emissões evitadas pelo não desmatamento são, preferencialmente, projetos de pagamento por resultados, que o Brasil e os Estados podem receber para apoiar projetos ligados à conservação das florestas. E isso é diferente de gerar e vender offsets florestais.
Na época das negociações que geraram as regras de REDD+, houve um frisson quanto a ganhar dinheiro com as florestas. É possível gerar créditos de alta qualidade, mas é crucial definir que não é toda floresta que pode gerar esses créditos. Offsets florestais deverão ser aceitos no SBCE e continuarão a ter espaço no mercado voluntário.
Mas esperar que exista uma demanda substancial vinda dos mecanismos do mercado regulado do Artigo 6 do Acordo de Paris parece irreal. O Brasil não apoia a venda desses créditos no mercado internacional e, de acordo com o andar das negociações do Artigo 6, as Partes voltarão a avaliar essa aceitação ou não somente em 2028.
5. Carbono da restauração florestal terá espaço no SBCE?
Se o Brasil perder a chance de usar seu mercado de carbono para fomentar a economia da restauração das áreas degradadas, prejudicará uma ambiciosa ação que precisará usar no caminho para a neutralidade climática. Isso sugere que créditos de restauração poderão ter mais aceitação no mercado interno. Em outras palavras, REDD+ de restauração deve ter amplo espaço no SBCE e, quiçá, no Acordo de Paris.
6. Quais outros setores ou tipos de projeto terão espaço?
A euforia para vender créditos dentro do mercado regulado não pode menosprezar que as respectivas metodologias terão de ser aprovadas pelo órgão gestor do SBCE. Isso dependerá da fase de regulamentação e começo efetivo das obrigações compulsórias, o que deve levar ao menos de 2 a 4 anos após a aprovação da lei.
Como país que possui meta de neutralidade, o Brasil deve incentivar a descarbonização em todos os setores econômicos, o que sugere que vários setores poderão, desde que sigam regras criteriosas de integridade ambiental, participar do mercado gerando créditos que serão elegíveis no mercado interno e do mercado regulado internacional.
Estas são apenas algumas perguntas que precisam ser amadurecidas quando se analisa a iminente aprovação do SBCE. Vale frisar que as expectativas quanto à geração e venda de créditos florestais merece ser ponderada diante do real potencial tamanho do mercado interno.
Além disso, é crucial apontar que o Brasil não deveria ser o país que aposta somente nos créditos florestais. A possibilidade de atingir a neutralidade climática exige muito mais do que conservar florestas. Rotular o cap and trade nacional de “grande mercado de carbono florestal” pode trazer efeitos amargos em um futuro breve.
FONTE: www.capitalreset.com.br
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