POLVOLAB - um fundo criado para criar negócios e tirar agricultores da pobreza
Postado 26/03/2024
O mel produzido em Simplício Mendes, no Piauí, é o mesmo, mas todo o resto mudou. Os tonéis exportados para os Estados Unidos deram lugar a potinhos com rótulos cor-de-rosa, selo de produto orgânico e um preço de venda por quilo quatro vezes maior no St. Marché, rede de supermercados para média-alta renda em São Paulo.
O banho de loja faz parte do trabalho feito junto ao PolvoLab, um fundo criado há pouco mais de dois anos com o objetivo de incentivar a mobilidade social de pessoas na faixa da pobreza.
A iniciativa escolhe produtos como o mel piauiense e trabalha ao longo de toda a cadeia para transformá-los em algo “premium”, que possa ser vendido pelo valor mais alto possível, maximizando a renda dos produtores.
Da Faria Lima, o fundo mapeia as oportunidades, investe em pesquisa e desenvolvimento, capacitação dos funcionários e na estratégia de logística e venda. Na prática, o PolvoLab atua como um sócio que assume a maior parte do risco caso o produto não saia da prateleira – e fatura com uma porcentagem final das vendas.
O fundo é a materialização da crença de que os produtos brasileiros precisam ser mais valorizados. Essa é a ideia que move as co-fundadoras Ana Maria Diniz (à dir. na foto), acionista e conselheira da Península, de Abilio Diniz, e fundadora do Instituto Península, e Gabi Marques, empresária com experiência no mercado financeiro.
“Não queremos vender o produto da agricultura familiar como um produto coitadinho. Não queremos que você compre para ‘ajudar’. Mas que compre porque tem qualidade, porque é bom e pode substituir seu produto Nestlé”, diz Marques.
O mel da Caatinga foi o primeiro item com o selo PolvoLab a chegar às prateleiras. Ele é produzido pela Cooperativa Mista dos Apicultores da Microrregião de Simplício Mendes (Comapi), que conta com quase 700 famílias associadas. A renda dos apicultores aumentou em 25%, e a Comapi, que estava endividada, já pagou quase tudo o que devia.
As culturas de castanha de caju, cacau, milho, mandioca e licuri também estão sendo trabalhadas pelo PolvoLab com mais 2.700 famílias, em cidades dos estados da Bahia, Piauí e Maranhão. Das 14 mil pessoas envolvidas, 70% são mulheres.
As sócias já investiram R$ 7 milhões no fundo – a maior parte de Diniz – e se preparam para abrir uma rodada de captação nas próximas semanas. O foco deve estar em investidores voltados para impacto.
Onde chegam os tentáculos
Diniz e Marques se conheceram na União SP, iniciativa de organizações da sociedade civil que distribuiu produtos para as famílias mais vulneráveis durante a pandemia da Covid-19.
Empresárias, passaram a pensar em como ir além da caridade e da filantropia, abrindo caminhos para quem está “fora do jogo”’. “Na camada mais elitista, alguns nos perguntaram: ‘Vão rasgar dinheiro e trabalhar com pobre agora?’, com uma miopia total das riquezas fora dos centros”, afirma Marques.
Com o apoio do Sebrae e da Embrapa, as sócias se aproximaram do ecossistema de cooperativas e da agricultura familiar e entenderam a dificuldade dos produtores para estabelecer uma estratégia comercial adequada para seus produtos.
O PolvoLab sobrepõe dois mapas do Brasil: o de culturas agrícolas dominantes em cada região e o da concentração de pobreza. Assim são selecionados os locais com maior potencial de transformação social.
Outros dois critérios de escolha das cooperativas são o tamanho das organizações – quanto mais associados, melhor – e a demanda dos produtos.
“Somos um catalisador de negócios sociais. Não um venture capital, nem um venture builder ou apenas um investidor. Se o negócio não funciona como negócio, não faz sentido estar sob nosso guarda-chuva”.
Passo a passo
Dpois de definir a localização em que vai atuar, o PolvoLab identifica um parceiro local. Em Simplício Mendes (PI), foi a Comapi. Já em Palmeirândia, na Baixada Maranhense, onde planeja trabalhar com babaçu, as quebradeiras de coco babaçu receberam ajuda para fundar a Cooperandia.
O fundo arca com a pesquisa, desenvolvimento e inovação do produto, conectando-se a universidades, órgãos públicos que já olham para agricultura familiar, indústria e mercado.
Também monitora, capacita e acompanha os produtores. No caso do mel, por exemplo, a equipe do PolvoLab auxiliou na obtenção do certificado de produto orgânico e ensinou a Comapi a emitir notas fiscais com as informações pedidas por varejistas.
Por fim, o fundo elabora a estratégia comercial e logística para que os produtos cheguem às prateleiras. A venda em si é feita pelas próprias cooperativas que utilizam a marca desenvolvida pelo guarda-chuva PolvoLab.
O mel é um dos produtos mais falsificados e adulterados no país, diz Marques, o que levou ao nome de “Mel Mesmo” – uma alusão a ser “mel de verdade”. A embalagem de 255 gramas é vendida a R$ 46 na capital paulista.
“O que a gente faz é dar um sobrenome para a cooperativa. É triste, mas sozinha, sem esse endosso, ela não entra num varejista como o Pão de Açúcar, o St. Marche, o Carrefour ou um mercado que pague bem”, diz Marques.
O PolvoLab não compra o mel ou a castanha, mas aplica sua metodologia em cada uma das cooperativas com uma expectativa de retorno de longo prazo com uma porcentagem do valor das vendas. Essa parcela varia, por ora, de 7% a 15%, a depender do investimento necessário.
No mel, o fundo já investiu mais de R$ 800 mil, principalmente em fluxo de caixa. E se o produto amargar na prateleira? São R$ 800 mil que eu deixei de aplicar em outra cultura”.
O risco é menor em produtos como o flocão de milho, e maior no licuri, uma planta ainda pouco conhecida no Sudeste, vendida como um snack salgado pelo PolvoLab.
Com a estrutura montada e validada, a marca trabalha para alcançar grandes varejistas e ampliar as cadeias produtivas em que está envolvida.
“Nossa meta como negócio é tirar 1 milhão de brasileiros da faixa de pobreza e pobreza extrema”, afirma Marques, “Pregamos muito a independência do parceiro, porque o que nos deixará feliz é quando cada cooperativa conseguir caminhar pelas próprias pernas”
FONTE: Reset Capital
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