Faz sentido investir em eólica offshore no Brasil?
Postado 23/03/2023
Com abundância de energia renovável e barata no continente, especialistas divergem sobre a viabilidade — e a necessidade — da geração de energia dos ventos em alto mar
O debate sobre eólicas offshore ganhou atenção redobrada no país nas últimas semanas, depois do anúncio de que a Petrobras está estudando projetos de geração em alto mar com a norueguesa Equinor.
Por ora, a estatal está apenas molhando os pés no setor, avaliando a viabilidade de entrar no mercado de geração de energia a partir dos ventos em alto-mar.
Mas, se confirmados, os 14,5 GW de geração potencial correspondem a mais da metade dos projetos eólicos hoje já existentes em terra e podem consumir US$ 70 bilhões em investimentos.
Os números superlativos levantam a questão: afinal, em um país com dimensões continentais e com um dos melhores ventos do mundo para a produção de energia em terra firme, faz sentido investir em eólicas no mar?
Olhando a foto atual, os custos são altos demais e gerariam uma energia muito mais cara que outras fontes renováveis – abundantes no país. Mas como o filme se desenrola para a frente?
Há quem diga que, com os investimentos que vêm sendo feitos fora do Brasil, a tecnologia ficará mais competitiva e já teremos plantas do tipo em 2030 no país. Outros falam que essa é uma fonte que pode fazer sentido dentro de algumas décadas, para 2050.
E há quem seja categórico: “Ainda que não haja problema em estudar novas iniciativas, vamos aproveitar a oportunidade para antecipar os estudos da Petrobras e recomendar: Não invista em eólica offshore!”, escreveu o analista Antônio Junqueira, do Citi, em um email aos clientes do banco logo após o anúncio da parceria com a Equinor.
Seu principal ponto é que o Brasil, ao contrário de países europeus, tem um amplo potencial de geração de energia limpa barata no continente, tanto de eólicas quanto de solar.
“É altamente improvável que eólicas offshore se provem algo que o Brasil vai precisar”, acrescentou Junqueira.
O fator de capacidade das eólicas em terra no país, que mede o quanto elas conseguem gerar em relação à sua potência total, é de 40,6% na média do país – praticamente em linha com projetos offshore do Mar do Norte e acima dos 34% da média das onshore mundiais.
Nos melhores projetos do país, no Nordeste, esse fator de capacidade não raro ultrapassa os 70%.
Além disso, há uma oferta ampla querendo vir a mercado. Apenas o pipeline de projetos solares e eólicos já cadastrados na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ultrapassa 100 GW, mais da metade de toda a potência instalada no Brasil em todas as fontes.
“Com quase 100 GW de energia ‘sobrando’ para vir à frente, como pensar em investir numa energia que hoje é muito mais cara?”, diz o executivo de uma grande fabricante de equipamentos de energia. “Só olhando o longuíssimo prazo.”
Com os reservatórios das hidrelétricas cheios e uma economia crescendo menos que o esperado, hoje o Brasil está numa situação de sobreoferta de energia.
O avanço do hidrogênio verde permite que pela primeira vez possa se vislumbrar a oportunidade de “exportar” energia elétrica para grandes distâncias, em vez de pensar apenas no mercado interno.
Para produzir o combustível, é necessário quebrar a molécula da água usando uma corrente elétrica proveniente de energia limpa, que passa a ser possível de ser transportada na forma de gás ou beneficiada em amônia.
Porém, ainda que essa seja uma possibilidade no futuro, não haveria grandes vantagens dos projetos eólicos estarem em alto-mar em relação à terra. “Estar a 200 km da costa ou do continente não muda nada para chegar a Europa”, diz um analista.
Por enquanto, é caro…
Com a extensa costa brasileira, é natural pensar na vocação do país para abrigar e desenvolver eólicas em alto-mar.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelos estudos que orientam o planejamento energético do Brasil, mapeou o potencial de geração de 700 GW por eólicas offshore em locais com profundidade de até 50 metros. É o equivalente a 50 usinas de Itaipu.
Grandes empresas do setor de renováveis e petróleo, como Neoenergia e Shell, já submeteram 70 projetos para análise do Ibama, que seriam capazes de gerar 176 GW – com mais de 60% da potência concentrada no Ceará e no Rio Grande do Sul.
Mas para que esses projetos sejam realizados há um caminho longo, especialmente em termos de custo.
A Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) estima que o custo nivelado – que envolve tanto os investimentos na construção do projeto quanto os gastos para operação – seja de R$ 333/MWh na eólica offshore no país.
É mais que o dobro da alternativa em terra, que fica abaixo de R$ 150/MWh.
A projeção da associação é que haja uma queda acelerada dos preços nos próximos anos e, no cenário mais animador, o custo das eólicas em alto-mar passem a R$ 216/MWh em 2030 e R$ 105/MWh em 2050.
Um relatório do Credit Suisse traz uma estimativa menos animadora: para o banco, o custo nivelado das offshore está na casa dos R$ 450/MWh, especialmente por conta da disparada do custo de capital em meio ao cenário de alta de juros.
“Essas novas tecnologias têm um ganho de escala muito rápido por conta do mundo todo estar investindo nelas”, diz Elbia Gannoum, presidente executiva da Abeeólica, que acredita que as primeiras eólicas offshore possam começar a operar em 2030.
No mundo, a capacidade instalada de eólicas offshore vem aumentando a cada ano e chegou a 55,7 GW em 2021, ou 7% de toda a energia por ventos, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE).
China, Alemanha e Reino Unido – com destaque para projetos no Mar do Norte – são os países onde a tecnologia desponta.
Quem paga a conta
Para o sócio e head de infraestrutura da Vinci Partners, José Guilherme Souza, a tecnologia “não parece a melhor alternativa econômica”, mas o cenário pode mudar daqui a cinco anos.
“A situação aqui é muito típica: você usa os melhores potenciais [de onshore] primeiro por serem economicamente mais viáveis, mas o projeto seguinte, muito provavelmente, não será tão eficiente quanto o anterior. Com o barateamento da tecnologia offshore, eventualmente esses projetos serão mais eficientes que os onshore uns anos à frente”.
Quando isso vai ocorrer é incerto, afirma o diretor-presidente da PSR, consultoria especializada no mercado de energia, e ex-presidente da EPE, Luiz Augusto Barroso, mas “a hora para a eólica offshore vai chegar no Brasil”.
“O que se discute agora é o timing, por uma questão de competitividade econômica e existência de demanda. Desenvolver mais cedo envolve pagar um prêmio para estar na frente”, diz ele.
“Essa discussão pode passar por temas mais amplos de política pública, ligados a outros benefícios que esta fonte pode trazer como geração de empregos, tecnologia etc.”, afirma Barroso.
Em outras palavras: a depender do timing, podem ser necessários subsídios.
Outro ponto de atenção é o sistema de transmissão que precisa ser adicionado para receber o volume de energia gerado por essa fonte.
“Se esse custo for incorporado ao do empreendimento, piora um pouco as condições de competição da eólica offshore”, afirma Amanda Ohara, coordenadora no portfólio de Energia do Instituto Clima e Sociedade.
“Por outro lado, se ficar como um custo a ser incorporado à TUST [Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão, cobrada nas contas de luz], também representa um custo a mais para o consumidor.”
Lobby das petroleiras?
A infraestrutura necessária para a eólica offshore é muito maior que para a onshore, por conta do tamanho das turbinas e rede de transmissão, que envolve cabos submarinos.
Quanto mais distante da costa, mais complexa a operação – e mais alto o potencial de geração. Pelo porte de investimento e sua experiência em operações em alto-mar, são petroleiras e outras grandes empresas do setor de energia que vêm desbravando esse mercado.
De certa forma, é uma maneira de monetizar a expertise de operação em águas profundas e evitar a obsolescência total das plataformas num mundo que vai precisar de bem menos petróleo no futuro.
“Quem está de olho nesse potencial são empresas que também estão com o desafio de limpar seus próprios portfólios. É a junção desses dois mundos”, diz Ohara.
Além da parceria anunciada por Petrobras e Equinor, também já formaram duplas no Brasil a Prumo Logística com a TotalEnergies e a Eletrobras com a Shell.
A Abeeólica, que puxa a pauta no país, tem a TotalEnergies e a Shell entre suas associadas. A Petrobras está em processo de refiliação.
Procurada, a Petrobras disse que não tinha porta-voz disponível para comentar a estratégia de investimento nas eólicas offshore.
A Equinor disse, em nota, que “o cronograma para energia eólica offshore no Brasil dependerá de uma maior definição do quadro regulatório e das consequentes condições comerciais e de mercado”.
Regulação em andamento
Em janeiro de 2022, foi publicado o decreto nº 10.946, que dispõe sobre a cessão de uso de áreas para a construção de eólicas offshore e estimulou as primeiras definições.
As empresas ainda demandam um marco regulatório mais robusto para ter segurança jurídica. Jean Paul Prates, atual presidente da Petrobras, foi autor do Projeto de Lei 576/2021, que tramita no Congresso sobre o tema, durante seu mandato como senador.
A Equinor diz que “acompanha um aumento na frequência de discussões sobre o assunto no Brasil, com governos e políticos iniciando o debate sobre o papel desta modalidade para o futuro da matriz energética brasileira” e que é “necessário que os avanços continuem na direção da definição de um modelo que promova mais oportunidades e melhores custos”.
A companhia relembra que projetos de energia eólica offshore podem levar de cinco a dez anos para serem desenvolvidos, incluindo todos os estudos de localização necessários, medições de vento e licenciamento ambiental.
FONTE: www.capitalreset.com, Colaborou Natalia Viri
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