‘Brasil não pode perder oportunidade da economia verde’
Postado 03/11/2023
Do alto dos seus 86 anos, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter já viu o Brasil experimentar ciclos de expansão econômica e também mergulhar em muitas crises.
Também viu muitos cavalos selados passarem. Agora, acredita que a economia verde é uma nova chance de alavancar o desenvolvimento econômico.
“O Brasil já teve várias oportunidades e as perdeu. É preciso usarmos a nossa inteligência, capacidade de mobilização e condução política para realmente não perdermos essa oportunidade de conquistar uma posição de patamar internacional”, disse nesta sexta-feira, em São Paulo, na abertura do evento “O papel do Brasil na economia verde mundial”, realizado pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), fundado por ele.
A descarbonização da economia global favorece a vocação do país, dadas as nossas condições naturais, disse, mas a liderança na oferta de soluções verdes para o mundo não virá por mágica. É preciso conquistar essa posição.
“O que é grande e importante, se não tiver participação do Congresso, do Executivo e do empresariado, a gente não vence.”
Patricia Ellen, cofundadora do Aya Partners, adicionou uma camada de complexidade à discussão, com a provocação de que o país precisa escapar da armadilha de trocar um produto primário por outro na pauta de exportações. “Precisamos não só exportar nossos commodities e nossos ativos, mas trazer o valor agregado para o país.”
Siga a Austrália
Numa evidência de que nada virá sem esforço, no mesmo evento, o CEO da Cosan Investimentos, Leonardo Pontes, lembrou que o grupo investiu por mais de uma década no desenvolvimento da tecnologia do etanol de segunda geração, feito a partir dos resíduos da moagem da cana, até começar a colher frutos na Raízen.
“Muita gente só vê agora, mas faz 15 anos que a gente está fazendo esse negócio, e agora nós de fato estamos escalando. Fomos os únicos que conseguiram fazer isso de forma comercial, escalável, no mundo e é um produto com aplicação múltipla.”
Pontes também bateu nas teclas de vantagens intrínsecas do Brasil e janela de oportunidade, mas, assim como Jorge Gerdau, falou da necessidade de mais mobilização coletiva “para não perder a oportunidade.”
“Voltei agora da Austrália, onde fui para entender porque há 20 anos o Brasil e a Austrália produziam 300 milhões de toneladas de ferro cada um e a Austrália hoje produz quase 1 bilhão e a gente continua com os 300 milhões”, disse.
Uma reunião com o Ministro das Minas e Energia australiano foi pedagógica. “Ele primeiro te dá um ‘welcome’ e fala: aqui a regra é essa, um ciclo são quatro anos, tudo é sistematizado, tem capital, tem 200 empresas abertas na bolsa, só para esse setor tem um ecossistema, tem talentos. Eu fiquei pensando o que falta pra gente fazer isso agora.”
Vendendo seu peixe, Pontes disse que rotas de descarbonização como o hidrogênio ainda terão que se provar economicamente, mas que o etanol já é uma realidade viável.
Mas fez um alerta sobre a necessidade de o ‘Brasil sentar à mesa’ da diplomacia comercial para evitar que políticas protecionistas de outros países inviabilizem soluções brasileiras. Ele citou o caso do etanol de primeira geração, que não é bem-visto na União Europeia.
Para Ellen, do Aya, tanto o Inflation Reduction Act, nos EUA, quanto o Green Deal, na União Europeia, têm um forte componente protecionista, que impõe um desafio adicional para o Brasil ao desnivelar o campo de jogo.
Quem financia
No capítulo sobre atração de capital para destravar o potencial de soluções verdes do país, o assessor especial do Ministério da Fazenda, João Paulo Resende, falou o que muita gente queria ouvir: o ministério e o Banco Central estão trabalhando em um mecanismo para enfrentar o risco cambial, com o uso de reservas internacionais.
A ideia é aumentar a atração de investimento estrangeiro direto para o país, fundamental para sustentar a agenda de transição ecológica do governo. O risco cambial e a inexistência de mecanismos de proteção têm sido apontados por especialistas como um dos maiores obstáculos à entrada de capital estrangeiro em escala para investimentos climáticos.
Ele não deu maiores detalhes, mas confirmou que o mecanismo deve ser anunciado nos próximos meses, sem necessidade de passar pelo Congresso.
Pedro Vilela, cofundador e CEO da gestora de impacto Rise Ventures, deu um passo atrás.
“Converso com alguns investidores internacionais e, no meu entendimento, o Brasil ainda não está bem colocado no mapa dos Estados Unidos. A América Latina como um todo, na verdade, está um pouco fora do radar do investidor americano”, disse.
Para ele, os europeus percebem mais o Brasil. “Acho que pela forma com que eles lideraram o mundo nos últimos cem anos, isso coloca um pouco mais de give back, de responsabilidade deles, o que se reflete em regulamentação e montante investido aqui.”
Cenário macro
Guilherme Pessini, diretor de estratégia de atacado e produtos do Itaú BBA, vê o cenário macro global como um desafio para acelerar a agenda verde. “O consenso sobre estar carbono neutro em 2050 foi feito em um cenário de juros muito mais baixos. O componente de custo financeiro pode eventualmente postergar isso [a agenda verde]”, disse. “O que pode materializar ou não este cenário é a clareza em relação aos efeitos econômicos da temperatura subir mais do que 1,5ºC.”
Grande parte das transformações econômicas que precisam se concretizar para uma economia de baixo carbono dependem de troca de tecnologia, que necessariamente exige dinheiro de mais longo prazo. Se este dinheiro estiver mais caro, é mais difícil fechar a conta. “Eu não acho que isso mude a direção desta agenda. Acredito que ela vai acontecer e que é necessária. O que pode mudar é a velocidade.”
FONTE: www.capitalrest.com.br
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