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Beleza circular: Bagaços de uva viram cosméticos na Ziel

Postado 11/09/2024

Empresa de Bento Gonçalves é uma das primeiras no país a investir no upcycling beauty, conceito que vem ganhando força na indústria da beleza mundial

Milhares de quilos de bagaço de uva que seriam descartadas por agricultores e vinícolas no Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, viram xampus, condicionadores, sabonetes e outros produtos da marca de cosméticos Ziel. 

Óleos, farinhas e outros ingredientes provenientes da semente e da casca da uva e da casca da maçã – partes não aproveitadas na fabricação de vinhos e sucos – são os principais insumos do portfólio da empresa de Bento Gonçalves, criada no fim de 2021 pela farmacêutica Ana Koff tendo como base o princípio do upcycling beauty, ou beleza circular. 

Ainda pouco praticado no mercado de beleza do Brasil e do mundo, o conceito se traduz em utilizar materiais ou insumos que seriam descartados como resíduos, transformando-os em novos produtos da indústria da beleza. 

Desde criança Koff conhece de perto a vitivinicultura, processo que envolve o cultivo da uva e a fabricação do vinho. “Meu pai tinha uma vinícola e eu e meu irmão [Fernando Koff Milán, seu sócio na Ziel] brincávamos nas montanhas de bagaço que se formavam depois da maceração das uvas”, lembra a empreendedora. 

Quando começou a cursar a faculdade, ela se reaproximou da fruta, estudando os efeitos benéficos de seus principais ativos.

“A uva tem o famoso resveratrol, um poderoso antioxidante, e sua semente é rica em ácido graxo, super hidratante”, diz Koff, que trabalhou em algumas empresas farmacêuticas até retomar um sonho antigo. “Desde a adolescência eu planejava um dia ter a minha própria marca de cosméticos limpos.” 

Nos últimos três anos, Koff vem trabalhando firme neste propósito. Os 32 produtos hoje comercializados pela Ziel – a meta é ampliar para 75 até o fim do ano – seguem regras bem definidas em sua formulação. 

Nenhum deles é testado em animais, são todos veganos, têm entre 96% e 100% de ingredientes naturais e não levam, na sua composição, qualquer tipo de insumo tóxico, como parabenos, alumínio, derivados de petróleo e corantes. “Não usamos exclusivamente ingredientes naturais porque há algumas substâncias fundamentais neste mercado que ainda passam por processos químicos”, explica Koff.

Outra condição é que pelo menos um dos ingredientes seja upcycled: os resíduos são transformados em produtos diferentes e de maior valor. O principal deles é a semente da uva, transformada em óleo por meio de um processo totalmente a frio, sem nenhum ácido. O óleo da semente de uva orgânica está presente em quase todos os produtos da marca. 

A técnica usada na produção, no entanto, ainda torna este óleo muito mais caro do que o comumente usado no mercado. 

“O óleo que vem da China, por exemplo, muito menos puro e sem procedência, custa em torno de R$ 10 o quilo. No upcycling, usando sementes de uvas orgânicas que seriam descartadas, este valor chega a R$ 200 o quilo.”

Segundo Koff, estes valores só vão começar a cair quando houver uma escala maior no processo, com mais empresas aderindo à técnica. “Aqui na Ziel ainda produzimos pouco, o que impacta bastante no custo dos insumos”, ela diz, sem revelar números de vendas da marca. 

O conceito de reaproveitamento total dos resíduos levou a pesquisas sobre todos os microcomponentes do bagaço. A casquinha que reveste as sementes da uva, por exemplo, entra na composição de um sabonete íntimo. “Ela tem probiótica, o que ajuda a melhorar a flora”, explica a empresária.

Cristais efervescentes

Outro resultado das pesquisas realizadas por Koff foi o uso de cristais naturais formados nas paredes internas das barricas durante a fermentação do vinho e de sucos de uva. Estes resíduos se formam quando moléculas de potássio e cálcio se ligam ao ácido tartárico. Como são efervescentes, a empresária os utiliza na produção das esferas de banho da marca. 

“Na maioria das empresas ele é descartado na lavagem das barricas, mas nosso parceiro topou investir em um processo que é extremamente delicado e requer treinamento de uma equipe especializada para entrar nos tanques gigantes e fazer a coleta desse material”, explica Koff. 

O parceiro em questão é a Organovita, produtora de sucos sediada em Garibaldi (RS). A empresa trabalha com uva e maçã orgânicas vindas da agricultura familiar local e remunera esses produtores pelos resíduos. “Reaproveitar os resíduos da fabricação do suco também gera um impacto positivo para esses pequenos produtores.”

Seu outro principal parceiro é a vinícola Miolo. A empresa, cuja sede também fica em Bento Gonçalves, fornece gratuitamente os bagaços para a Ziel. Segundo dados da Embrapa, atualmente apenas cerca de 3% do resíduo da indústria vinícola passa por algum processo de aproveitamento. 

O bagaço é o principal tipo de resíduo e representa entre 20% e 30% do peso de toda a uva processada. Mesmo rico em fibras e cheio de compostos antioxidantes, ainda é tratado como subproduto e quase sempre vira adubo, ração animal ou é incinerado. 

Plástico zero e menos água

Na Ziel, xampu, condicionador e desodorante são vendidos em barra. “Eles são concentrados e utilizam muito menos água na produção, comparados aos produtos líquidos, o que representa uma economia hídrica importante”, explica Koff. Segundo ela, enquanto um xampu comum tem cerca de 80% do insumo, o da Ziel tem cerca de 1% a 2%.

Os produtos em barra também podem ser embalados em caixinhas de papelão, evitando o uso de plástico. Além disso, a ausência de água significa menos peso e menos volume para transporte dos produtos, resultando em menos emissão de carbono na logística.

Hoje os produtos estão em 90 pontos, distribuídos em 16 Estados pelo Brasil. A venda física representa 70% do faturamento – apenas 30% vêm do e-commerce. A empresa tem planos de internacionalização, com pontos de venda nos Estados Unidos e na Europa. “No mês que vem a empresa deve atingir o breakeven [ponto de equilíbrio, quando faturamento se iguala aos custos], o que nos dará mais fôlego.” 

A empresária não revela quanto foi investido até aqui na Ziel, mas diz que 50% do valor veio de recursos próprios, e a outra metade, de um aporte via Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). 

Koff também está de olho em potenciais investidores. “Não descartamos a ideia de novos aportes”, ela diz. 

O upcycling beauty está em alta no mercado de beleza, atraindo investimentos. O tema foi um dos focos da edição 2024 da In-Cosmetics Global, uma das maiores feiras de cosméticos do mundo. 

Grandes grifes já têm reaproveitado resíduos como insumos, especialmente em perfumes. A francesa Nina Ricci, por exemplo, usa bagaço e casca de limão descartados em seu Nina Le Parfum. A Burberry, no Burberry Hero, reutiliza sobras de serragem de cedro. 

No Brasil, a Ziel não é a única empresa de cosméticos que já reaproveita resíduos de vinícolas. A Lander, de Caxias do Sul, ainda tem apenas dois produtos em seu portfólio, um óleo e um creme facial. A Vinotage, empresa do Grupo Famiglia Valduga, utiliza resíduos das vinícolas da própria Casa Valduga em alguns de seus produtos. E a Cobucci Care tem como fornecedoras vinícolas da Campanha Gaúcha, região dos Pampas.

 

FONTE: www.capitalreset.com.br

 

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